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sábado, 26 de junho de 2021

CRIME DE TORTURA Lei n.º 9.455, de 7 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências.








Atenção:

- Lei extraída do site www.planalto.gov.br - Pode conter anotações pessoais, jurisprudência de tribunais, negritos e realces de texto para fins didáticos.

- Última atualização do texto legal em 25/06/2018.

- Para pesquisar palavras-chave na página clique as teclas: "Ctrl + F" (Windows) ou "Command + F" (Mac).




Define os crimes de tortura e dá outras providências.



O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:



Art. 1.º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos.

§ 1.º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

§ 2.º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 01 (um) a 04 (quatro) anos.

§ 3.º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 04 (quatro) a 10 (dez) anos; se resulta morte, a reclusão é de 08 (oito) a 16 (dezesseis) anos.

§ 4.º Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até 1/3 (um terço):

I - se o crime é cometido por agente público;

II - se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente;

II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei n.º 10.741, de 2003)

III - se o crime é cometido mediante seqüestro.

§ 5.º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

§ 6.º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

§ 7.º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2.º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.



Legislação correlata:

- Vide: Art. 5.º, inc. XLIII, da CF/88 - Equiparação do delito de tortura a crime hediondo.

- Vide: Lei n.º 13.869/2019 - Lei do Abuso de Autoridade.

- Vide: Dec. n.º 04/1991 - Promulga a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes

"1. Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram."

- Vide: Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Dec. n.º 98.386/1989).

- Vide: Lei n.º 7.210/1984 - Lei de Execução Penal (LEP).

- Vide: Lei n.º 8.072/1990 - Lei dos Crimes Hediondos - Delito de tortura equipara-se aos crimes qualificados como hediondos.

- Vide: Lei n.º 10.446/2002 – Competência da Polícia Federal para investigar determinados casos de tortura e infrações penais relativas à violação de direitos humanos.

- Vide: Nota: Portaria MJ n.º 1.000/2001 - Diretrizes para o combate à prática de tortura em todo território nacional.

- Vide: Abuso de Autoridade - Tortura - Preso - Adolescente Infrator - Portaria nº 82/CNJ, de 29 de abril de 2010 - Institui, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, Grupo de Trabalho para levantamento e apuração de abuso de autoridade, tortura e qualquer tipo de violência perpetrada por agentes públicos contra presos e adolescentes em conflito com a lei. Publicada no DJE/CNJ de 12/5/2010, n. 85, p. 2.

- Vide: Dec. n.º 8.154/2013 - Regulamenta o funcionamento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a composição e o funcionamento do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e dispõe sobre o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

- Vide: Lei n.º 12.847/2013 - Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e dá outras providências.



​Notas:

- O bem jurídico tutelado pelo artigo acima é a dignidade da pessoa que é vítima, assim como sua integridade mental e física.

- Não se trata de crime próprio de agente público, pois qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de tortura. A condição de agente público do sujeito ativo pode gerar aumento da pena (vide majorante do parágrafo 4.º).

- Vide: Súmula n.º 698 do STF - Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.

- Questão de concurso: O policial condenado por induzir, por meio de tortura praticada nas dependências do distrito policial, um acusado de tráfico de drogas a confessar a prática do crime perderá automaticamente o seu cargo, sendo desnecessário, nessa situação, que o juiz sentenciante motive a perda do cargo. (CESPE, 2012). Gabarito considerou correta a questão, mas há divergências sobre o tema na doutrina e na jurisprudência.



Jurisprudência:


01) Crime de tortura - Preso vítima de lesões graves - Agressão policial:


TORTURA. PRESO. LESÕES GRAVES. (Informativo n.º 433 do STJ – Quinta Turma)

A vítima encontrava-se detida sob responsabilidade de agentes estatais (delegacia da polícia civil) por ter ameaçado a vida de um terceiro.

Contudo, lá apresentou comportamento violento e incontido: debatia-se contra as grades, agredia outros detentos e dirigia impropérios contra os policiais.

Após, os outros detentos foram retirados da cela e a vítima foi algemada, momento em que passou a provocar e ofender o policial que a guardava, que, em seguida, adentrou a cela e lhe desferiu vários golpes de cassetete, o que lhe causou graves lesões (constatadas por laudo pericial), agressão que somente cessou após a intervenção de outro policial.

Então, é inegável que a vítima, enquanto estava detida, foi submetida a intenso sofrimento físico por ato que não estava previsto em lei, nem resultava de medida legal, o que configurou a tortura prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.455/1997.

Essa modalidade de tortura, ao contrário das demais, não exige especial fim de agir por parte do agente para configurar-se, bastando o dolo de praticar a conduta descrita no tipo objetivo.

Já o Estado democrático de direito repudia o tratamento cruel dispensado por seus agentes a qualquer pessoa, inclusive presos.

Conforme o art. 5º, XLIX, da CF/1988, os presos mantêm o direito à intangibilidade de sua integridade física e moral.

Desse modo, é inaceitável impor castigos corporais aos detentos em qualquer circunstância, sob pena de censurável violação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Anote-se, por último, que a revaloração de prova ou de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido, quando suficientes para a decisão da questão, tal como se deu na hipótese, não implica reexame da matéria probatória vedada na via especial (Súm. n. 7-STJ).

No especial, não se pode examinar mera quaestio facti ou error facti in iudicando, contudo não há óbice ao exame do error iuris in iudicando (tal qual o equívoco na valoração de provas) e o error in procedendo.

Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu provimento ao especial.

Precedente citado: REsp 184.156-SP, DJ 9/11/1998.

STJ - REsp 856.706-AC, Rel. originária Min. Laurita Vaz, Rel. para acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 6/5/2010.



02) Competência – Tortura cometida por policiais militares nas dependências da PF – Competência da JF para julgamento:



COMPETÊNCIA. TORTURA. PM. PF. (Informativo n.º 436 do STJ – Terceira Seção)

In casu, o indiciado foi preso em flagrante pela suposta prática de crime de roubo e, em depoimento, alegou ter sido torturado para que confessasse os fatos a ele imputados.

Feito o exame de corpo de delito, comprovaram-se as lesões corporais supostamente praticadas por policiais militares na dependência de delegacia da Polícia Federal.

Esses fatos denotariam indícios de crime de tortura.

Noticiam os autos que, no momento do recebimento da notícia do suposto delito de roubo, os policiais militares estavam em diligência de apoio a policiais federais.

Daí o juizado especial criminal, ao acolher parecer do MP estadual, remeteu os autos à Justiça Federal de Subseção Judiciária.

Por sua vez, o juízo federal de vara única, ao receber os autos, suscitou o conflito de competência ao considerar que os policiais federais não participaram do suposto ato de tortura.

Para o Min. Relator, com base na doutrina, o crime de tortura é comum, porém se firma a competência conforme o lugar em que for cometido.

Assim, se o suspeito é, em tese, torturado em uma delegacia da Polícia Federal, deve a Justiça Federal apurar o débito.

Destaca, ainda, que a Lei n. 9.455/1997 tipifica também a conduta omissiva daqueles que possuem o dever de evitar a conduta criminosa (art. 1º, I, a, § 2º, da citada lei).

Quanto à materialidade e autoria do suposto crime de tortura, embora não haja, nos autos, informações de que os policiais federais teriam participado ativamente do crime de tortura, os fatos, em tese, foram praticados no interior de delegacia da Polícia Federal, o que, segundo o Min. Relator, atrai a competência da Justiça Federal nos termos do art. 109, IV, da CF/1988.

Nesse contexto, a Seção conheceu do conflito para declarar competente o juízo federal suscitante.

STJ - CC 102.714-GO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/5/2010.



03) Tortura-castigo - Crime próprio - Agente deve ter posição de garante:


DIREITO PENAL - REsp 1.738.264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por maioria, julgado em 23/08/2018, DJe 14/09/2018

Tortura-castigo. Art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997. Crime próprio. Agente que ostente posição de garante. Necessidade.

Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997) aquele que detiver outra pessoa sob sua guarda, poder ou autoridade (crime próprio).

A controvérsia está circunscrita ao âmbito de abrangência da expressão guarda, poder ou autoridade, prevista na figura típica do art. 1.º, II, da Lei n. 9.455/1997 (tortura-castigo). De início, cumpre esclarecer que o conceito de tortura, tomado a partir dos instrumentos de direito internacional, tem um viés estatal, implicando que o crime só poderia ser praticado por agente estatal (funcionário público) ou por um particular no exercício de função pública, consubstanciando, assim, crime próprio. A despeito disso, o legislador pátrio, ao tratar do tema na Lei n. 9.455/1997, foi além da concepção estabelecida nos instrumentos internacionais, na medida em que, ao menos no art. 1.º, I, ampliou o conceito de tortura para além da violência perpetrada por servidor público ou por particular que lhe faça as vezes, dando ao tipo o tratamento de crime comum. A adoção de uma concepção mais ampla do tipo supracitado, tal como estabelecida na Lei n. 9.455/1997, encontra guarida na Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que ao tratar do conceito de tortura estabeleceu -, em seu art. 1.º, II -, que: o presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo. Ressalta-se, porém, que a possibilidade de tipificar a conduta na forma do art. 1.º, II, da referida lei (tortura-castigo), ao contrário da tortura elencada no inciso I, não pode ser perpetrada por qualquer pessoa, pois a circunstância de que a violência ocorra contra vítima submetida à guarda, poder ou autoridade, afasta a hipótese de crime comum, firmando a conclusão de que o crime é próprio. Nítido, pois, que, no referido preceito, há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o agente passivo do crime. Logo, o delito até pode ser perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação de cuidado, proteção ou vigilância), seja em virtude da lei ou de outra relação jurídica.



Art. 2.º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.


Nota:

- Vide: Nos crimes de tortura incide exceção ao princípio-regra da territorialidade, pois a Lei Federal n.º 9.455/97 expressamente determinou a aplicação de suas disposições mesmo quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.



Art. 3.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.






Brasília, 7 de abril de 1997; 176.º da Independência e 109.º da República.


FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson A. Jobim


Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.4.1997

Tudo sobre o Crime de Tortura - Direito Penal para Concursos - Ep. 5

Lei de Tortura - Dica para Gabaritar.

USO DA VÍRGULA: DICAS RÁPIDAS

Sintaxe - Frase, Oração e Período

terça-feira, 22 de junho de 2021

TEORIA MUSICAL - CLAVES

Clave de Sol - Clave de Fá - Clave de Dó - Claves musicais - Tipos de Cl...

Noções básicas sobre Ornamentos

escalas

 

Escalas Musicais Enarmônicas e Homônimas

Não custa nada aprender mais sobre as escalas musicais e teoria musical não é mesmo? Você sabia que existe uma classificação específica para escalas que possuem as mesmas notas musicais mas com nomes diferentes?

Existem também escalas que começam a ser tocadas na mesma tônica que outra escala similar e que possuem estrutura e armadura diferentes.

Vamos conhecer rapidamente um pouco mais sobre isso.

Escalas musicais enarmônicas

As escalas enarmônicas são escalas que possuem a mesma sonoridade mas com o nome das notas diferentes.

Quando você tocar duas notas enarmônicas, verá que está tocando a mesma nota.

O detalhe está no nome da nota. Um exemplo prático de uma escala enarmônica é a escala de C# com a escala de Db.

sonoridade é a mesma, mas o nome das notas são diferentes.

Escalas musicais homônimas

Já as escalas homônimas, possuem a mesma tônica. Podemos dizer que são duas escalas que iniciam pela mesma nota.

O detalhe é que os modos devem ser diferentes.

Por exemplo, a escala de C e a escala de Cm são homônimas. Possuem a mesma tônica mas com armadura e estrutura diferentes.


Conclusão

Espero que este estudo sobre as escalas musicais esteja te ajudando.

Não se preocupe, você tem muitas escalas musicais para estudar.

Antes de terminar vou deixar um arquivo para você baixar e acompanhar seu desenvolvimento no estudo das escalas musicais.

TABELA DE ACOMPANHAMENTO

e

TABELA DE ACOMPANHAMENTO DO ESTUDO DE ESCALAS

Assim, você poderá aprofundar seus estudos sobre as escalas musicais focando na prática mas nunca deixando de lado os fundamentos da teoria musical.

Modos gregos

 

Modos gregos

Modos gregos são tipos de escalas. Talvez você já tenha ouvido por aí os nomes “mixolídio”, “dórico”, ou algo semelhante. Parece coisa de outro mundo, não? Pois bem, mostraremos que esses e outros nomes são, na realidade, assuntos muito simples e fáceis de se entender e praticar. Eles aparecem no contexto de modos gregos.

Mas o que são os modos gregos afinal?!

Os modos gregos nada mais são do que 7 modelos diferentes para a escala maior natural. Vamos detalhar para ficar mais claro:

Pegue a escala maior natural. Ela corresponde ao primeiro modo grego, o chamado modo Jônico (ou Jônio). Essa nomenclatura nós mostraremos mais adiante de onde veio, não se preocupe com isso agora.

Muito bem, você já sabe um modo grego! Meus parabéns!!

Modo Jônico

Para ficar mais fácil, vamos trabalhar em cima da escala de dó maior como exemplo. Já sabemos então qual é o modo Jônico:
C, D, E, F, G, A, B
Sequência observada: tom-tom-semitom-tom-tom-tom-semitom

Desenho do modo jônico:

jonico

Dica: É a própria escala maior.
Obs: Para todos os modos, colocaremos a sequência observada, uma dica e o desenho da escala.

Os modos gregos são bem mais utilizados nos instrumentos de cordas, você irá compreender isso durante a leitura desse artigo.

O próximo modo é o chamado modo Dórico. Ele nada mais é do que a mesma escala maior que estamos trabalhando, porém começando da nota Ré.

Modo Dórico

Segue abaixo o modo dórico:
D, E, F, G, A, B, C
Sequência observada: tom-semitom-tom-tom-tom-semitom-tom

Desenho do modo dórico:

dorico

Dica: É a escala menor com a sexta maior.

Bom, talvez você ainda não tenha reparado a utilidade disso. Geralmente aqui a galera começa a se atrapalhar e achar um tédio esse estudo. Pois bem, vamos explicar direito isso para que você não desista sem motivo!

Nós acabamos de tocar Ré dórico, certo? Isso automaticamente significa que a tonalidade é Dó maior. Por quê? Justamente por que nós construímos a escala dórica utilizando as notas da escala maior de Dó.

O formato tom-semitom, etc. deduzido para a escala dórica ficou diferente da escala maior natural pelo fato de estarmos começando com outra nota que não o primeiro grau. Começamos do segundo grau. Por isso que há diferença no desenho. Entendido isso, podemos encontrar uma aplicação prática.

No estudo de campo harmônico maior, mostramos os acordes que fazem parte da tonalidade de Dó maior. Imagine, por exemplo, que uma música começa em Ré menor e depois continua com os acordes: Am, F e Em. Podemos concluir que a tonalidade dessa música é Dó maior, mesmo que o acorde de Dó não tenha aparecido nenhuma vez na música (até aqui, nenhum conceito novo!).

Então, se queremos improvisar um solo em cima dessa música, utilizaremos a escala de Dó maior. Mas, como a música começa em Ré menor, nosso solo poderia começar com a nota Ré em vez da nota Dó para dar uma ambiência mais característica, certo?

É aqui que entra o tal do Ré dórico! Podemos dizer que estamos solando em Ré, pois estamos “enfatizando” a nota Ré (começando e terminando com ela), mas usando a escala de Dó maior. Moral da história: estamos usando para o nosso solo a escala de Ré Dórico, pois o acorde é Ré menor mas a tonalidade é Dó.

Modo frígio

Ok, vamos prosseguir. Agora vamos usar a escala maior de Dó começando da nota Mi. A sequência ficará assim:
E, F, G, A, B, C, D
Sequência observada: semitom-tom-tom-tom-semitom-tom-tom

Desenho:

modo frigio

Dica: É a escala menor com o segundo grau menor.

Esse é chamado modo Frígio. A utilização prática é exatamente a mesma do exemplo anterior, mas pensando em Mi menor em vez de Ré menor. Se quiséssemos solar em Mi menor uma música que estivesse com a tonalidade de Dó maior, utilizaríamos a escala de Mi Frígio.

Modo lídio

O próximo modo grego é o modo Lídio. Ele começa com o quarto grau da escala maior. Apenas para recapitular, estamos utilizando como exemplo a escala de Dó, então o quarto grau é Fá (antes o terceiro grau era Mi, e assim por diante).

Os modos gregos podem ser construídos a partir de qualquer escala maior, estamos mostrando aqui somente a escala de Dó. Depois mostraremos em cima de outra escala maior para ajudar a esclarecer. Vamos ver então como ficou nossa escala de Fá Lídio:

F, G, A, B, C, D, E
Sequência observada: tom-tom-tom-semitom-tom-tom-semitom

Desenho do modo lídio:

lidio

Dica: É a escala maior com a 4ª aumentada

Modo mixolídio

O quinto modo grego é o modo Mixolídio. Na escala de Dó maior, o quinto grau é Sol. Veja abaixo então a escala de Sol mixolídio:

G, A, B, C, D, E, F
Sequência observada: tom-tom-semitom-tom-tom-semitom-tom

Desenho do modo mixolídio:

mixolidio

Dica: É a escala maior com a 7ª menor

Nós já explicamos a utilização dos modos gregos do ponto de vista de improviso, mas seria interessante aproveitar esse momento aqui para fazer uma observação.

Se quiséssemos solar uma música que está na tonalidade de Dó maior começando com a nota Sol, utilizaríamos a escala de Sol Mixolídio (até aqui nenhuma novidade). Talvez você ainda não tenha se convencido da utilidade disso na prática pois está pensando: “se eu quiser usar a escala maior de Dó começando com a nota Sol, eu pego o desenho de Dó maior, na região em que eu faria a escala de Dó maior, e faço esse desenho começando da nota Sol”:

utilidade modos gregos

Tudo bem, não há problema nisso. Mas digamos que uma música estivesse mudando de tonalidade. Imagine que estava em Sol Maior e agora passou a ser Dó maior. Você estava solando em sol maior utilizando a escala abaixo, nessa região do braço do instrumento:

aplicando modos gregos

Agora que a música passou a ser em Dó maior, você pulou para essa região:

aprender modos gregos

Se você soubesse o desenho de Sol Mixolídio, poderia continuar na mesma região que estava antes, porém mudando o desenho que antes era esse:

modo grego

Para esse:

novo modo grego

Isso deixaria o solo infinitamente mais bonito e fluido, pois a mudança de tonalidade no solo seria muito suave e agradável.

Se, nesse exemplo, você mudar a região do braço para pensar na escala de Dó maior, você fará essa mudança de tonalidade ficar muito mais brusca e dura de engolir.

Ouça músicos como Pat Metheny, Mike Stern, Frank Gambale e observe como eles trabalham as modulações (mudanças de tonalidade). Essa fluidez vêm do domínio completo dos desenhos dos modos gregos.

Além disso, conhecer bem os desenhos desses modos ajudará você a não se prender a um desenho de escala somente, o que faria seu solo ficar “quadrado” e viciado. De quebra, esse domínio propicia um controle total do braço do instrumento.

Modo Eólico

Ok, o próximo modo é o modo Eólico (ou eólio) e corresponde ao sexto grau. No nosso exemplo, o sexto grau de Dó é Lá, então confira abaixo como ficou a escala:
A, B, C, D, E, F, G
Sequência observada: tom-semitom-tom-tom-semitom-tom-tom
Desenho do modo eólico:

eolico

Dica: É a escala menor natural!

Encontramos então um novo nome para a escala menor natural: Modo Eólico. A escala maior natural já tinha recebido um nome também, lembra? Modo jônico.

Você deve ter reparado que o sexto grau menor é a relativa menor (já estudamos isso), então fazer um solo utilizando o modo eólio nada mais é do que solar uma música usando a relativa menor.

Modo lócrio

O sétimo e último modo é o modo Lócrio. Confira abaixo o desenho:
B, C, D, E, F, G, A
Sequência observada: semitom-tom-tom-semitom-tom-tom-tom

Desenho do modo lócrio:

locrio

Dica: É a escala menor com a 2ª menor e 5ª diminuta.

Treinar os modos gregos pensando nos graus ajuda muito nossa mente e nosso ouvido a identificar rapidamente a tonalidade de uma música, pois você se acostuma com os padrões.

Resumo dos 7 modos gregos

Legal, já que fizemos tudo em cima da escala de Dó maior, vamos agora rapidamente mostrar como ficariam as sequências utilizando a escala de Sol maior (em vez de Dó maior), para você observar os shapes desses modos começando da 6ª corda:

modos gregos

resumo dos modos gregos

shape dos modos gregos

Note como as sequências (tom-semitom, etc.) ficaram exatamente iguais às sequências de nosso estudo que utilizou a escala de Dó maior.

Já os desenhos (shapes) ficaram diferentes pelo fato de estarmos começando da 6ª corda em vez da 5ª.

Esses desenhos apresentados partindo da 5ª e 6ª cordas mantêm a mesma estrutura para outras tonalidades. Isso é muito favorável, pois aprendendo os shapes para essas tonalidades, você sabe para todas, basta transpor os mesmos desenhos para outros tons.

Ao longo de nosso estudo musical, você irá ouvir falar mais vezes nesses modos. Vendo a aplicação deles em diferentes contextos você irá ampliar sua visão e ficará cada vez mais convencido da utilidade deles. O importante é que agora você os pratique e gaste um tempo em cima desses desenhos, compreendendo de onde eles vieram.

A origem dos nomes

Antes de finalizarmos esse nosso primeiro estudo de modos gregos, vamos matar sua curiosidade dizendo de onde vieram esses nomes estranhos.

Os modos gregos surgiram da Grécia antiga. Alguns povos da região tinham maneiras peculiares de organizar os sons da escala temperada ocidental. Esses povos eram oriundos das regiões Jónia, Dória, Frigia, Lídia e Eólia. Por isso deram origem aos nomes que você acabou de ver.

O modo Mixolídio surgiu da mistura dos modos Lídio e Dórico. O modo Lócrio surgiu apenas para completar o ciclo, pois é um modo pouco utilizado na prática.

Os modos Jônico e Eólico acabaram sendo os mais utilizados, sendo muito difundidos na Idade Média. Mais tarde, acabaram recebendo os nomes “escala maior” e “escala menor” respectivamente.

O engraçado é que todo estudante de música acaba aprendendo primeiro os nomes “escala maior” e “escala menor”, antes mesmo de ouvir falar em modo jônico e eólico, sendo que os modos gregos vieram antes disso e são os pais dessas escalas.

1.600 palavras depois…

Espero que você tenha se interessado pelo assunto. Para entender melhor, recomendamos fortemente que você assista o vídeo abaixo com calma, pois é uma aula completa (com mais de 1 hora de duração) onde explicamos detalhadamente todas as aplicações dos modos gregos na prática:

Preparamos também um curso de improvisação completo que explora bastante a utilização dos modos gregos na guitarra, conheça clicando na imagem abaixo:

como improvisar na guitarra

Ir para: Escala pentatônica

Voltar para: Menu Módulo 5

Baixo Contínuo Italiano 1650-1700

Baixo Cifrado - por que e como!

Baixo Cifrado

História do Baixo Contínuo

 

História do Baixo Contínuo








História do Baixo Contínuo

Este trabalho pretende expor ao leitor um pouco da história de uma estrutura musical que foi base de toda a teoria e composição musical até aproximadamente 1800.
Esta estrutura chama-se baixo contínuo, teve início no século XVI e só perdeu terreno no final do século XVIII, devido a mudanças de concepções musicais. A história da música é uma sucessão de negações a períodos anteriores, e ao negarem a concepção composicional barroca, no início do classicismo, tanto a teoria do baixo contínuo, como a improvisação, até então muito utilizada, tiveram grande declínio.


A meu ver, o baixo contínuo é uma forma tão ou mais eficiente de se analisar músicas quanto as outras teorias harmônicas. Em certas teorias harmônicas como a harmonia funcional e tradicional, há diversas falhas e incoerências analíticas (como por exemplo, acordes sem fundamental, acordes em segunda inversão com quinta no baixo, etc.). Problemas como estes seriam de fácil resolução numa análise a partir do baixo contínuo, teoria que só lida com os intervalos entre as notas.

Alem disso, a execução do baixo continuo ao teclado é muito importante para regentes, pois além de desenvolver raciocínio musical, percepção, harmonia e contraponto, entre outros, facilita o estudo de partituras (ajuda no aprendizado de leitura de grades, tão essencial para a profissão).

No quinto item do trabalho falarei um pouco sobre técnicas de execução. Este item, como todos deste trabalho, não pretende ser completo, atentando para apenas alguns aspectos numa imensidão de obras e compositores da época.

Para melhor entendimento do trabalho, escrevi um apêndice explicando algumas questões teóricas básicas do baixo contínuo.


ÍNDICE

1 – Definições

2. Origem

3. Desenvolvimento

4. Instrumentos

5. Técnicas de execução
5.1 – 1o. período – até 1650
5.2 – 2a. metade do século XVII
5.3 – Século XVIII

6. Apêndice: Teoria Elementar do Baixo Contínuo

7. Bibliografia





HISTÓRIA DO BAIXO CONTÍNUO
1 . Definições

Primeiramente, antes de apresentar minha definição, gostaria de citar três definições de compositores barrocos que lidaram amplamente com o aprendizado e a técnica do baixo contínuo. É importante que saibamos a opinião de pessoas da época, pois são as que mais tinham contato com a prática musical vigente. Comecemos por Johann Mattheson (1681-1764), organista, cravista, cantor, compositor e escritor musical alemão. Em seu método de baixo contínuo, Grosse Generalbassschule, Mattheson escreve a seguinte definição (1735)[1]: “( O baixo contínuo é ) Nada mais do que um baixo com figuras que indicam uma harmonia. De acordo com as figuras deverão ser executados ao cravo acordes de quatro notas”.

Passemos agora a definição de Johann David Heinichen (1683-1729), compositor alemão, em sua obra Der Generalbass in der Komposition (1728): “Nenhum entendedor de música pode negar que o baixo contínuo é um dos mais fundamentais e importantes pontos do conhecimento musical, depois da composição. Aliás, o baixo contínuo muitas vezes mistura-se à composição musical. A execução do baixo contínuo não é nada mais do que uma composição de quatro vozes a partir de um baixo dado”.

Para encerrar, observemos a opinião de Johann Sebastian Bach (1685-1750) sobre o assunto:
“O baixo contínuo é a estrutura fundamental da música e é executado com ambas as mãos, de modo que a mão esquerda toque as notas escritas e a mão direita toque notas consonantes ou dissonantes às outras. Isto deve formar uma harmonia agradável para a glória de Deus e o descanso do espírito”.

Fazendo uma pequena análise das definições, concluímos que a primeira aborda o contínuo de uma maneira mais prática (execução de harmonias a partir de figuras), e não fala nada sobre ornamentação. Já a segunda mostra um aspecto importante da educação musical da época: o baixo contínuo era considerado vital para a aprendizagem musical e principalmente para a composição musical (todos os grandes compositores do período barroco, clássico e até romântico tiveram o baixo contínuo como base de seu aprendizado musical). Bach já tem uma definição ligada à teoria dos afetos, uma visão mais filosófica predominante no período barroco (“descansar o espírito”).

O baixo contínuo consiste numa linha de baixo que, podendo ou não ser figurada, evidencia ao executante a harmonia a ser executada (e improvisada).

As três questões mais importantes que dizem respeito à história e à técnica de execução são as seguintes:
1) Por quê, como e onde esta técnica começou?
2) Quais são as harmonias grafadas e como o executante deve interpretá-las?
3) O executante deve tocar sozinho ou acompanhado por outros instrumentos? Se acompanhado, por quais?

A prática do baixo contínuo não envolve apenas questões que concernem à interpretação e ao estilo histórico, mas envolve outros tópicos do conhecimento musical, como orquestração, improvisação, regência, contraponto e harmonia.

O termo baixo contínuo deriva provavelmente do compositor L. da Viadana, que teve sua obra “Cento concerti e cclesiastici … con il basso contínuo” publicada e divulgada por toda a Europa. Viadana escolheu o nome “contínuo” pois a linha fornecida ao acompanhamento não havia sido retirada da linha vocal dos baixos (como era de costume), mas sim era uma linha independente que percorria toda a composição sem interrupções.


[1] As definições foram extraídas de Keller, p. xiv.



2 . Origem

O baixo contínuo tem seu surgimento diretamente ligado ao renascimento e à busca de antigas teorias gregas, nas quais, como afirmavam os teóricos renascentistas, havia a predominância de um solista acompanhado por um instrumento.

A prática de contínuo provavelmente começou a se desenvolver na música secular italiana no início do século XVI, vindo a ecoar na música sacra apenas no final do século.

Dois fatores principais foram essenciais ao surgimento do contínuo:

1) Renascimento da monodia acompanhada[1]

Na Idade Média e início do Renascimento, era mais relevante numa composição musical a igualdade entre as vozes e a complexidade contrapontística. Já no Renascimento tardio/ início do Barroco, há uma grande valorização da monodia acompanhada, que seria derivada da prática musical grega. O baixo contínuo seria então o acompanhamento desta monodia, inicialmente realizado em instrumentos da família dos alaúdes (chitarrone, teorba) e, posteriormente, em instrumentos de teclado (cravo, órgão, regal[2]).

2) Praticidade

A maioria das canções acompanhadas no século XVI vinha com um acompanhamento a quatro vozes, como se todas as vozes do coro estivessem concentradas em um só instrumento. No entanto, a execução nem sempre era possível, pois havia instrumentos acompanhantes de várias naturezas, como instrumentos de cordas dedilhadas (alaúde, chitarrone, cítara, harpa, lira) e de teclado. A execução das quatro vozes também já não era mais importante, pois a importância maior estava na melodia solista. Para que estes problemas fossem solucionados criou-se um sistema mais simples e eficaz para os acompanhamentos.

Além disso, houve um grande aumento na produção musical, de modo que a maioria das cortes possuía um certo número de músicos profissionais e um órgão. O desenvolvimento do contínuo ofereceu uma maior praticidade musical nas seguintes funções:

a) segurar a afinação de coros;
b) substituir instrumentos originalmente especificados pelo compositor para uma performance em outro local (dependendo da acústica de cada local, o que variava muito);
c) substituir cantores por vozes instrumentais; na falta de um cantor sua voz seria executada ao órgão;
d) substituir inteiramente um coro (celebrações menores, impossibilidade da presença do corpo musical).

Havia também um problema em relação aos organistas: possuíam uma linguagem própria de notação (tablatura), de modo que todos os acompanhamentos deveriam ser transcritos para esta linguagem. O baixo contínuo eliminou esta transcrição e poupou os organistas de possuírem várias coleções de transcrições para órgão.

As três primeiras publicações de baixos cifrados, isto é, que possuem cifras explicando diretrizes para o acompanhamento, ocorreram entre outubro de 1600 e fevereiro de 1601, e são as seguintes: Rappresentatione di Anima et di Corpo, de Emilio de Cavalieri[3], Euridice, de Giulio Caccini[4], e Euridice, de Jaccopo Peri[5].

No início não havia cifragem dos baixos; a técnica só começou a ser amplamente utilizada a partir de 1610 (mesmo após a popularização da técnica, os compositores continuaram a grafar de uma forma incompleta). Anteriormente possuíamos apenas bemóis e sustenidos [6] alterando a natureza do acorde. É também provável que a técnica de cifragem seja alguns anos anterior a 1600, pois foram encontrados alguns manuscritos de Caccini que já possuíam este tipo de notação. Vale ressaltar que os três compositores pertenciam à Camerata Fiorentina, de modo que o método de cifragem pode ter saído desta academia de eruditos.


[1] O termo monodia acompanhada não significa uma única voz acompanhada. Às vezes havia duas ou três vozes. O termo significa que as obras possuíam um caráter mais recitativo.

[2] O regal é um pequeno órgão portátil de um só registro, que na maioria das vezes era de palheta, com um timbre bem anasalado.

[3] Emilio de Cavalieri (1550-1602). Compositor e humanista italiano. Pertencente à Camerata Fiorentina ou Camerata dos Bardi, contribuiu com suas obras escritas para o desenvolvimento do “stillo” recitativo e da ópera.

[4] Giulio Caccini (1545-1618). Compositor e cantor italiano. É um dos mais importantes representantes das novas concepções musicais que, como consequência dos debates literários, estéticos e filosóficos dos músicos da Camerata Fiorentina, de que fazia parte, procuravam restaurar a música grega, produzindo assim uma nova concepção musical, a do “stillo” recitativo, vital para a história da música.

[5] Jaccopo Peri (1561-1633). Compositor integrante da Camerata Fiorentina, com ideias semelhantes aos colegas.

[6] Os bemóis e sustenidos colocados sob as notas dizem respeito à alteração das terças, por isso a alteração da natureza do acorde.



3 . Desenvolvimento

Os tratados de contraponto do século XVI classificam os intervalos como números; destes números vem a cifragem do baixo contínuo, que designam que intervalos devem ser executados a partir da nota de baixo dada.

Nas primeiras peças cifradas, há uma grande dificuldade na recomposição das harmonias devido à grande imprecisão na grafia por parte dos compositores e devido a variações de significados de região para região. Canções para contínuo de compositores como Purcell e Cavalli foram arranjadas por eles próprios para vozes e cordas e o resultado revela o quão distante estava a grafia da real intenção harmônica do compositor. Há também confusões entre 6 e b, pois são símbolos parecidos e usualmente grafados sem cuidado, de modo que pode haver muita confusão nestes casos.[1]

Há dois principais problemas na reconstituição dos baixos do primeiro período:

1) Em algumas situações onde ocorrem determinadas cadências, não houve uma especificação grafada pelo compositor. Certas cadências eram “fórmulas” pré-estabelecidas na época que deveriam ser conhecidas pelo músico executante. Nos trechos musicais em que ocorriam estas fórmulas, os compositores não se preocupavam em notar algo, pois o intérprete já saberia solucionar este problema.[2] Cabe a nós entender quais eram estas fórmulas pré-estabelecidas estudando os tratados da época. Este problema ocorre no Vespro della Beata Vergine, de Monteverdi.

2) De acordo com a prática composicional da época, havia também uma busca pela contradição do óbvio, de forma que certas cadências eram alteradas, a fim de criar uma quebra maior da homogeneidade na composição. Isto também era comum em Monteverdi.

Outro fato importante é o de que inicialmente os compositores especificavam a oitava em que o intervalo deveria ser executado (por exemplo, havia diferença entre 11 e 4, havia símbolos como 13, 15, etc.). Esta prática caiu em desuso ao longo do tempo.

Em relação aos tratados, podemos dizer que foram decisivos para a difusão da técnica do baixo contínuo por toda a Europa. Um dos tratados que ajudou nesta difusão, principalmente na Alemanha, foi o Syntagma Musicum de Michel Praetorius. Em seu tratado, Praetorius, que tomara conhecimento de muitos autores italianos, citou um prefácio de B. Strozzi, defendendo que o baixo cifrado poderia dar a oportunidade a organistas de executarem motetos de Palestrina de uma forma que o ouvinte não percebesse a utilização de uma notação diferente da tablatura (considerada até então a notação mais perfeita para órgão). Vale lembrar que a substituição da tablatura pelo contínuo teve certa resistência, principalmente na Alemanha, onde perdurou até aproximadamente 1700.

Outro fator importante defendido pelos teóricos é o de que a prática do contínuo poderia empobrecer o conhecimento musical, principalmente dos executantes, que acabariam apenas lendo as cifras sem entender as razões específicas da execução de cada acorde.[3]

Além disso, à medida que o tempo passava, os tratados passaram a transmitir não mais apenas a forma de interpretação da harmonia, mas diretrizes calculadas para improvisações contrapontísticas coerentes.

Apesar da ampla divulgação, por volta de 1675 o contínuo só estava completamente difundido na Itália; na Alemanha, a prática estava apenas em grandes cortes e capelas; já na França e Inglaterra só estava disponível nas capitais. Havia certa resistência na adoção da técnica por parte de alguns compositores como Heinrich Schütz, que só escrevia partes de contínuo a pedido do escritor, e o próprio Michel Praetorius, que, apesar de divulgar a técnica em seu tratado, não apreciava escrever partes específicas cifradas.

No final do século XVII, estabeleceu-se o grupo instrumental mais comum para a execução do baixo contínuo: um instrumento de teclado (cravo e órgão, o cravo mais ligado a recitativos e o órgão mais ligado à música sacra) acrescido de uma viola da gamba baixo ou um violoncelo. Apesar disso, há exceções, como as sonatas de Arcangelo Corelli, que requisitam o alaúde além do órgão (formação muito recomendada anteriormente por Monteverdi). Nas casas de ópera, ainda havia uma grande quantidade de instrumentos, aos quais era delegada a obrigação de acompanhar os cantores de forma mais adequada. Cabia então ao cravista a função de improvisador, enquanto os outros instrumentos seguravam a harmonia.

Já na primeira metade do século XVIII, é criado um gênero muito importante, que pode ter tido uma grande contribuição no declínio da técnica do baixo contínuo: a sonata obbligato. O maior exemplo é a série de sonatas compostas por Bach para flauta e cravo, cuja voz superior da parte de cravo era uma voz independente.[4] Esta voz frequentemente responde e se contrapõe às melodias do solista.[5] Apesar das sonatas obbligato contribuírem para o declínio da técnica do contínuo, elas possuem um grande papel na reconstituição da técnica de improvisação da época, de modo que oferecem muitas resoluções de problemas relativos à execução de baixo contínuo na música de Bach.[6]

Na 1° metade do século XVIII, já podemos observar um declínio da técnica, pelo fato dos compositores entenderem que já não era mais necessário um instrumento de teclado para acompanhar quaisquer formações instrumentais. As obras que ainda utilizavam contínuo possuíam com frequência a inscrição “tasto solo”, que significava a exclusão do instrumento de teclado durante determinado texto. Muitas obras permaneciam quase inteiramente em “tasto solo”.

Ainda há, no entanto, algumas obras para contínuo durante este período e um dos principais compositores desta fase foi Mozart, que em suas missas escrevia partes de contínuo, na maioria das vezes extremamente complexas. Apesar da complexidade, o contínuo desta época não possuía a mesma função barroca, ficando muitas vezes ocultado por outros instrumentos. Por causa da complexidade (havia muita grafia) o contínuo não tem a mesma conotação improvisativa dos períodos anteriores. Além disso, havia os concertos para piano nos quais Mozart pedia ao solista (inscrição col basso) que, durante os tuttis, tocasse com a orquestra, prática comum na época. Era comum também em concertos que o solista comandasse a orquestra, sendo o contínuo uma forma de coordenação de todos os músicos[7].


[1] Basicamente esta confusão é solucionada na análise da peça. Deve-se observar a coerência musical.

[2] Um exemplo disso é a colocação de bemóis em lugares determinados. O cantor da época aprendia em sua educação musical onde colocar e onde não colocar os acidentes; é difícil reconstituir. Mais uma vez, o problema deve ser solucionado pela coerência musical. Um exemplo de edição crítica são as obras completas para órgão de J. S. Bach, editadas pela Breitkopf & Härtel. Diversas vezes, o editor propõe soluções e modificações, algumas coerentes e várias totalmente incoerentes, como alterações de “ousadias harmônicas” feitas por Bach. No coral “Erbarm dich, o herren Gott”, a edição propõe um “erro” de Bach à execução de um acorde aumentado, colocando um bequadro sobre a nota dissonante. Só que a nota dissonante pertence ao coral que está sendo arranjado, de modo que nunca poderia ser alterada.

[3] Neste ponto, já vemos aquela questão que perdura por toda a história da música: a questão do intérprete “ignorante”, que não sabe o que está tocando. Esta é uma visão preconceituosa, pois se o intérprete está executando a música de uma forma correta e coerente, está sim compreendendo o que executa. Mesmo na época, o pensamento já era falho, pois o intérprete necessitava improvisar também e, para isso, necessitava de grande conhecimento musical e “ouvido harmônico”.

[4] Vale lembrar que a mão direita do cravista foi inteiramente escrita; não era contínuo.

[5] Por exemplo, às vezes o solista executa o tema na tônica, o cravo responde na dominante.

[6] O baixo contínuo na música de Bach é extremamente complexo, de modo que seria necessário um livro para explicá-lo de uma forma mais completa.

[7] Nos próprios concertos para violino, Mozart pede ao solista que toque com os primeiros violinos durante o tutti.



4 . Instrumentos

Neste item, abordarei a orquestração do contínuo, isto é, quais foram os instrumentos utilizados ao longo do tempo. Primeiramente falaremos sobre a música sacra, na qual o órgão foi predominante. Este instrumento foi o principal acompanhante das funções litúrgicas da igreja.

Alguns órgãos possuíam também um jogo de cordas de cravo para o organista utilizar durante os recitativos. Em alguns locais não era permitido que se tocasse órgão durante a quaresma. Há também alguns estudos sobre a utilização da harpa nas funções litúrgicas, sobretudo nos países da Península Ibérica.[1]

Em relação à registração do órgão, podemos dizer que foi um tema sempre muito controverso, pois compositores e tratadistas da mesma época possuíam idéias e opiniões bem diferentes. Compositores e tratadistas como Gasparini, Viadana e Praetorius afirmavam que não se deveria acrescentar registros, mas sim quantidade de vozes. Já Monteverdi recomenda na execução do Vespro della Beata Vergine que sejam utilizadas três registrações[2] distintas para o órgão:
1) Principale – um principal de 8 pés;
2) Intermediária – Principal 8′ 4′ 2′;
3) Organo Pleno – todos os registros de Principal mais as misturas.

Alguns tratadistas, como Mattheson (1721), C. P. E. Bach (1762) e Adlung (1763), falam em seus tratados que o organista deve executar toda a voz do baixo na pedaleira, acrescentando 16′. Se não fosse possível a execução na pedaleira devido à dificuldade do trecho, o organista deveria acrescentar um 16′ pés no manual. Como se pode observar, é uma visão muito mais tardia e de um caráter mais romântico (quanto mais som, melhor).[3]

No entanto, é preferível que o organista escolha algo mais suave que o principal, como flautas e bordões[4]. Principais são muito sonoros para a execução do contínuo, cuja função é acompanhante e não solista. Para partes solenes, o organista deve utilizar registros de 8, 4 e 2 pés, enquanto que para trechos com menor volume deve utilizar apenas 8 pés. A registração depende muito também da acústica da sala (sala mais secas necessitam de mais registros) e do número de instrumentistas e cantores acompanhados pelo órgão: quanto maior, mais registros. Para trechos que possuam partes alternadas de tutti e solo o organista deve preparar dois teclados com registrações distintas: uma mais forte e uma piano.

O cravo é outro instrumento de destaque na instrumentação de contínuo. Cravos com alguns registros e dois teclados têm a possibilidade de alteração de dinâmica. O cravo foi amplamente utilizado nas funções de contínuo, principalmente em obras com caráter mais recitativo. Quase todo o repertório de contínuo foi composto para ser executado neste instrumento[5].

Sempre houve uma grande variedade de instrumentos acompanhantes, mas a combinação principal estabilizou-se em um instrumento de teclado e um instrumento de cordas friccionadas, numa tessitura grave (gambá, baixo ou cello).

Um ponto importante a ser ressaltado é a família dos instrumentos de cordas dedilhadas. Instrumentos como alaúde, chitarrone, cítara, harpa, tiveram grande importância no desenvolvimento da técnica. Em certas peças, o regente, possuindo três instrumentos executantes de contínuo diferentes como um órgão, um cravo e um chitarrone, pode lidar com a instrumentação diminuindo ou aumentando o volume do acompanhamento (para trechos em piano, apenas o chitarrone; para trechos mais fortes os três instrumentos).

Temos alguns outros instrumentos acompanhantes e executantes de contínuo principalmente na música profana, tais como fagote, sacabuxa e regal.

É necessário também dizer que o piano foi (e é) um costumeiro executante de contínuo, principalmente em apresentações modernas que não têm preocupação com a fidelidade à partitura.

Para encerrar este item, gostaria de salientar a importância da orquestração de contínuo nas apresentações de música barroca. Como já disse anteriormente, o regente, desde que possua alguns instrumentistas de contínuo, deve saber lidar com este artifício para o embelezamento da obra. É de praxe que o órgão seja utilizado para as partes de coro e orquestra, enquanto os recitativos são acompanhados pelo cravo; no entanto, há muitas combinações possíveis que podem ser utilizadas pelos regentes.[6]


[1] Consequentemente, nos países colonizados por espanhóis e portugueses, caso da América Latina e Brasil, deveriam ser utilizadas harpas nas funções litúrgicas. Há estudos nesta área, desenvolvidos pelo musicólogo Paulo Castagna, que já mostram que a harpa era muito utilizada, sobretudo nos ensaios e nas funções mais simples.

[2] Em relação a registração organística, um registro é um conjunto de tubos com uma altura e timbre determinados, que cobrem toda a extensão do teclado (um tubo para cada nota). Em relação à numeração dos registros, que diz respeito a altura, 8 pés (ou 8′) significa que o tubo do órgão correspondente aànota mais grave (dó 1) possua um comprimento de 8 pés, ou 2,4 metros. Quando executada, a nota soará na oitava real (por exemplo, o lá 3 soará 440 Hz). Se temos um registro de 4′, tudo soará uma oitava acima, pois a primeira nota do teclado terá um tubo correspondente a 4′, ou 1,2 m (metade do tamanho). Como a frequência é inversamente proporcional ao tamanho dos tubos, teremos no lá 3 não mais 440Hz, mas sim 880. Já um tubo de 16′ soa uma oitava abaixo e assim por diante.

[3] Há organistas atualmente que, por falta de conhecimento, insistem nesta tese ( e frequentemente acabam se perdendo na música ou atrasando o coro). É necessário muito estudo e prática para executar todo o contínuo na pedaleira e o resultado sonoro é duvidoso.

[4] Gedackt, em alemão.

[5] Na verdade, os compositores , apesar de ao compor pensarem no cravo como expressão musical, compunham para o chamado Clavier . Esta palavra significava que o trecho poderia ser executado em qualquer instrumento de teclado. A instrumentação não era um dos fatores preponderantes no período barroco.

[6] Um exemplo importante é o regente Gabriel Garrido (Argentina), que em suas apresentações de música colonial hispânica utiliza sem preconceitos a harpa paraguaia.



5 . Técnicas de execução

5.1. 1° período: até 1650

No primeiro período, o mais importante texto sobre baixo contínuo está no tratado Syntagma Musicum, de Michel Praetorius (1560-1629). Praetorius, entre outras coisas, coloca os requisitos básicos de um continuista e algumas regras de execução.

Eis os requisitos básicos:[1]
– O organista deve entender contraponto, ou ao menos ser capaz de cantar perfeitamente.
– O organista deve entender música escrita em partitura ou tablatura.
– O organista deve ter um bom ouvido e um bom senso de escuta.

As regras são as seguintes:
– O organista deve acompanhar perfeitamente o cantor.
– O organista inexperiente, antes da execução, deve dar uma olhada em toda a partitura em busca de dificuldades e, posteriormente, começar a sua execução.
– O executante deve acompanhar o registro do solista.
– Se a peça for uma fuga, o organista deve começar tocando o sujeito; quando todas as vozes estiverem soando simultaneamente o organista estará livre para tocar tantas vozes quanto achar necessário.
– Não se deve acrescentar registros quando há um tutti. Deve-se apenas acrescentar vozes (tocar com pés e mãos). É preferível que o organista prepare dois teclados no órgão: um para o piano (solo) e outro para o forte (tutti).
– O contínuo nunca deve ultrapassar a tessitura do solista.
– A mão direita deve estar em movimento contrário à mão esquerda.
– Quando há uma tirata[2], o acompanhamento deve permanecer estático.
– Quando há notas rápidas deve-se harmonizar cada uma.
O pensamento básico deste período é que o acompanhamento deve ser uma extensão perfeita do solista. Se este for uma soprano, o acompanhamento deve ir mais para a região aguda, se for um baixo, deve ser mais grave e assim por diante. Neste período, é muito mais importante o tipo de som conseguido pelo continuista em seu instrumento do que cuidados com a condução melódica. É mais importante que o continuista consiga “mover os afetos”[3]do que evite conduções melódicas impróprias.

Um dos pensamentos importantes sobre isso é o de Heinrich Albert(1602-1651), no prefácio de suas Árias[4]: ”Uma coisa deve estar na sua mente: você deve lidar com o baixo contínuo de acordo com a possibilidade de seu instrumento. Você não deve pensar em cada nota com extremo preciosismo; deve às vezes cortá-las como se estivesse cortando repolho”.

Compositores deste período: Cavalieri, Caccini, Peri, Monteverdi, Heinrich Albert, Schütz, Adam Krieger, Praetorius, entre outros.
[1] Keller, p.29

[2] Tirata é uma figuração onde há notas rápidas em sequências de graus conjuntos no baixo, de modo que o organista não deve harmonizar nota por nota.

[3] Teoria dos Afetos: movimento filosófico do período barroco.

[4] Keller, p. 33

5.2 . 2° metade do século XVII

Na segunda metade do século XVII, temos uma grande ascensão do violino e da música instrumental como um todo (música de câmara). Desta forma, também o baixo contínuo sofreu algumas modificações, sendo seu caráter mais contrapontístico (melhor condução de vozes) que descritivo ou operístico. No entanto, é um caráter mais clássico do que viria ocorrer posteriormente na ascensão do barroco alemão.[1]

Neste segundo período, as obras de câmara de Arcangelo Corelli (1653-1713) possuem importância significativa.

Observe no exemplo abaixo a sequência de dissonâncias “9” que são resolvidas descendentemente. O continuista deve executar exatamente o que o primeiro violino executa. (Arcangelo Corelli. Sonata da Camera, n°1, op.4):



Neste período, todos os teóricos mencionam também o fato de que o continuísta nunca deve se considerar um solista; sempre deve-se comportar como um acompanhador (Heinichen).


[1] Na Itália e no sul da Alemanha as composições possuiam um caráter mais clássico, enquanto no Norte as composições possuiam uma elaboração contrapontística maior. Buxtehude é um exemplo disso.



5.3 . Século XVIII

O século XVIII é caracterizado pelo apogeu do período barroco e, consequentemente, o apogeu do baixo contínuo. Todas as obras da época que não fossem obras solistas utilizavam esta técnica para preenchimento harmônico e sustentação aos instrumentos. Mesmo pequenas peças para piano a 2 vozes, como minuetos, eram preenchidos com baixo contínuo.

Os métodos surgidos neste século não eram mais tão enfáticos em como ensinar o aluno a montar os acordes, mas ensiná-lo a proceder corretamente em performances práticas (adequar a ornamentação ao estilo, fazer melhor movimentação melódica, melhor condução de vozes, etc.).

Um dos maiores e mais importantes métodos desta época é o Grande Método de Baixo Contínuo (Grosse Generalbassschule, 1931), de Johann Mattheson, que fornece uma série de exercícios ao aluno principiante, de forma que, ao final do curso, se tornaria um exímio continuista.

Neste método, há exercícios muito complexos, em tonalidades que não eram utilizadas na época, o que mostra que Mattheson já imaginava o que viria posteriormente no final do barroco. Mattheson argumentava que, sabendo lidar com tonalidades difíceis e acordes “esdrúxulos”, o estudante, ao se deparar com eles, não teria problemas em sua execução. Além disso, Mattheson dá muitos exemplos de realizações estilísticas, sendo seu método completo.

Um pensamento de Heinichen, sobre ornamentação, que data desta época: “Na arte do baixo contínuo ornamentado não se deve tocar os acordes de uma forma simples, mas se deve introduzir aqui e ali uma ornamentação em todas as vozes, especialmente na voz superior da mão direita, que é a mais proeminente. Isto possibilita mais graça ao acompanhamento, uma vez que não é executado apenas a quatro ou mais vozes de uma forma simples”.

Por haver uma grande diversidade de estilos, não é possível que determinemos um estilo próprio de execução neste período. Isto varia de região para região e de compositor para compositor. O intérprete tem de observar o compositor e sua localização. Compositores ao Norte costumam ter obras mais ornamentadas contrapontisticamente, enquanto compositores do Sul e ingleses costumam ser mais clássicos.

Dentre todos os compositores do barroco, o mais significativo em relação ao baixo contínuo foi Johann Sebastian Bach (1685-1750). Bach escreve harmonias muito elaboradas, com cifras até então nunca vistas. É extremamente difícil executar seus contínuos, seu método de improvisação e ornamentação varia de época para época. Há muitas controvérsias entre os editores de contínuo de Bach, sendo que as realizações chegam a variar completamente de realizador para realizador.

Muitas vezes, é necessário que o continuista execute trechos fugados em sua mão direita, em contraponto com a voz ou instrumento solista. Muitas vezes, em introduções, Bach oferece apenas a linha inferior, de modo que o continuista tenha que realizar toda a introdução na sua mão direita. Há também muitas peças, provavelmente executadas pelo próprio Bach, que não possuem cifragem alguma, de modo que o intérprete tenha de pesquisar o que vai tocar.

As sonatas para flauta com acompanhamento de cravo são um exemplo de ornamentação de contínuo em Bach. Surpreendentemente, Bach escreveu toda a mão direita do acompanhamento, de modo que estas sonatas servem de base para resolução de problemas relacionados à realização de contínuo. Outro exemplo de ornamentação bachiana são os prelúdios corais para órgão, que mostram um pouco como funcionava a ornamentação na época. Há também exemplos didáticos que Bach escreveu para dar a seus alunos (Sarabande da Suíte Inglesa n°2). O exemplo da Sarabande n°2 mostra-nos como era consistente a improvisação na época, e como não temos a menor idéia do que era feito.

Outras obras importantes são as utilizações tardias de baixo cifrado, sobretudo nas obras sacras.

Mozart é um grande exemplo disso. Em suas missas, escreveu contínuos trabalhadíssimos, de modo que é quase impossível tocá-los sem transcrição. Além disso, há diversas trocas de clave, que ocorriam para o continuista saber que voz estava acompanhando. Nos primeiros concertos para piano, quando não estava solando, o pianista executava contínuo. Haydn também escreveu partes de continuo em suas primeiras sinfonias.



6 . Apêndice – Teoria elementar do baixo contínuo

Formação dos acordes

Como já defini anteriormente, o baixo contínuo evidencia ao executante a harmonia que deve aparecer no trecho musical. Desta forma, o executante montará acordes a partir de uma linha de baixo pré-estabelecida, e estes acordes obedecerão às relações intervalares fornecidas pelas cifras (ou por sua própria omissão). Neste item, explicarei o método de formação dos acordes e algumas convenções de época, concernentes às relações intervalares entre as notas.

Primeiramente devo explicar que todo intervalo é designado por números: para uma segunda o número 2, para uma terça o número 3, e assim por diante.

Em seguida, o intérprete deve descartar todos os conceitos de teorias harmônicas vigentes, como a harmonia tradicional e harmonia funcional. Não há no baixo contínuo o conceito de inversão de acordes e acordes sem fundamental (todos os acordes possuem fundamental, que é sem exceções a nota do baixo). Para uma melhor compreensão, observe o exemplo 1.1.

Na harmonia tradicional, este acorde é considerado um acorde de dó com a quinta no baixo; já na harmonia funcional este acorde é considerado uma dominante com quarta e Sexta, se estiver em um ponto cadencial. No baixo contínuo, ele é encarado como um acorde em fundamental, com quarta e sexta, um “sol – quatro e seis” ou “seis – quatro”.



Passarei então às convenções de época. Devemos observar que muitas do baixo não possuem cifras ou possuem cifras insuficientes.

Exemplo 1.2 (J.B.Lully, Ballet des Plaisirs, 1655)

Observe como há muitas notas que não possuem grafia, enquanto outras apenas um sinal ou número. Na tabela a seguir, serão explicadas estas convenções de época:
Inscrições sob as notasSignificado
Sem cifrasAcorde  5-3
66-3
77-5-3
26-4-2
48-5-4 (quase sempre o 4, dissonância, vai para a consonância, 3, sendo o acorde seguinte um 8-5-3)[1]
99-5-3 (O nove também costuma resolver no oito, consonância)
Sinais como #, b     e  nAlteram a terça do acorde.  5-#3
Acidentes ao lado dos númerosAlteração apenas do intervalo
Números cortadosIntervalo sustenizado:           6 cortado equivale a #6 [2]

 

Em relação aos dobramentos, para acordes que não possuam dissonâncias, há a seguinte tabela, que não deve ser seguida com extremo rigor:

AcordeDobramento
5-3Oitava (8)
6-3Terça ou sexta (3 ou 6)
6-4Oitava (8)

 

 



Execução[3]

O método mais simples e costumeiro de execução do baixo contínuo consiste no continuista executar o baixo com a mão esquerda e montar a harmonia (acordes) com a mão direita. O iniciante deve começar executando cadências simples ao teclado, tais como I-IV-V-I, I-II-V-I, em todas as posições[4] e em todas as tonalidades. Posteriormente, deve começar a executar contínuos bem simples, que não possuam muita cifragem. No encadeamento entre acordes, vale a antiga regra da menor movimentação possível entre as vozes e, quando possível, da preparação e resolução de dissonâncias. É necessário também que o iniciante já pense no caráter melódico da linha improvisada, que é de extrema importância nesta técnica (É importante que o executante tenha uma base sólida de contraponto).

Posteriormente o estudante deve executar contínuos com maior cifragem, como os de J. S. Bach. Quando superar esta fase, deve então recorrer aos Mozart (missas), que além de possuir cifragem excessiva, trocam várias vezes de clave (Mozart em um trecho da Grande Missa em Dó utiliza quatro claves diferentes: 3 de dó e clave de fá). Um bom treino também são os contínuos não cifrados de Bach, nos quais o continuista deve deduzir a harmonia a partir da melodia e do baixo fornecido[5].


[1] O 4 na maioria das vezes é um tipo de dissonância conhecida no contraponto como retardo.

[2] Há exceções nesta regra.

[3] É importante que o iniciante já possua grande familiaridade com o teclado.

[4] Posições de oitava: a nota do soprano forma uma oitava com o baixo. Na posição de quinta a nota forma um intervalo de quinta com o baixo e assim por diante.

[5] Bach não cifrava porque possivelmente era o próprio executante dos trechos.



7 . Bibliografia

– KELLER, Hermann: Thoroughbass Method: With Excerpts From the Theoretical Works of Praetorius, Niedt, Telemann, Heinichen, J.S. and C.P.E. Bach: NY, 1959.

– WILLIAMS, Peter: Figured Bass Accompaniment, Volume 1. Edinburgh: University Press of Edinburgh.

– WILLIAMS, Peter: Figured Bass Accompaniment, Volume 2. Edinburgh: University Press of Edinburgh.

– PALISCA, Claude: Baroque Music. New Jersey: Prentice Hall, 1981.

– CANDÉ, Roland de: História Universal da Música. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

– GROUT, Donald e PALISCA, Claude: História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 1998.

– BROWN, Howard Mayer e SADIE, Stanley: Performance Practice; Music After 1600. Nova York: Norton, 1989.

– DOLMETSCH, Arnold: The Interpretation of the Music of XVII &XVIII Centuries. Londres: Novello, 1946.

– BERRY, Wallace: Structural Functions in Music. Nova York: Dover, 1987.

– SALZER, Felix e SCHACHTER: Carl, Counterpoint in Composition. New York: Columbia University Press, 1989.

– RENWICK, William: Analyzing Fugue. Stuyvesant (EUA): Pendragon Press, 1995.

– HASKELL, Harry: The Early Musical Revival: a History.Londres, Thames and Hudson, 1988.

– MANN, Alfred: The Great Composer as Teacher and Student. Nova York: Dover, 1987.

Fonte https://movimento.com/historia-do-baixo-continuo/