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- Última atualização do texto legal em 25/06/2018.
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Define os crimes de tortura e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos.
§ 1.º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§ 2.º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 01 (um) a 04 (quatro) anos.
§ 3.º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 04 (quatro) a 10 (dez) anos; se resulta morte, a reclusão é de 08 (oito) a 16 (dezesseis) anos.
§ 4.º Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até 1/3 (um terço):
I - se o crime é cometido por agente público;
II - se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei n.º 10.741, de 2003)
III - se o crime é cometido mediante seqüestro.
§ 5.º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
§ 6.º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
§ 7.º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2.º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.
Legislação correlata:
- Vide: Art. 5.º, inc. XLIII, da CF/88 - Equiparação do delito de tortura a crime hediondo.
- Vide: Lei n.º 13.869/2019 - Lei do Abuso de Autoridade.
- Vide: Dec. n.º 04/1991 - Promulga a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
"1. Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram."
- Vide: Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Dec. n.º 98.386/1989).
- Vide: Lei n.º 7.210/1984 - Lei de Execução Penal (LEP).
- Vide: Lei n.º 8.072/1990 - Lei dos Crimes Hediondos - Delito de tortura equipara-se aos crimes qualificados como hediondos.
- Vide: Lei n.º 10.446/2002 – Competência da Polícia Federal para investigar determinados casos de tortura e infrações penais relativas à violação de direitos humanos.
- Vide: Nota: Portaria MJ n.º 1.000/2001 - Diretrizes para o combate à prática de tortura em todo território nacional.
- Vide: Abuso de Autoridade - Tortura - Preso - Adolescente Infrator - Portaria nº 82/CNJ, de 29 de abril de 2010 - Institui, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, Grupo de Trabalho para levantamento e apuração de abuso de autoridade, tortura e qualquer tipo de violência perpetrada por agentes públicos contra presos e adolescentes em conflito com a lei. Publicada no DJE/CNJ de 12/5/2010, n. 85, p. 2.
- Vide: Dec. n.º 8.154/2013 - Regulamenta o funcionamento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a composição e o funcionamento do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e dispõe sobre o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
- Vide: Lei n.º 12.847/2013 - Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e dá outras providências.
Notas:
- O bem jurídico tutelado pelo artigo acima é a dignidade da pessoa que é vítima, assim como sua integridade mental e física.
- Não se trata de crime próprio de agente público, pois qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de tortura. A condição de agente público do sujeito ativo pode gerar aumento da pena (vide majorante do parágrafo 4.º).
- Vide: Súmula n.º 698 do STF - Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.
- Questão de concurso: O policial condenado por induzir, por meio de tortura praticada nas dependências do distrito policial, um acusado de tráfico de drogas a confessar a prática do crime perderá automaticamente o seu cargo, sendo desnecessário, nessa situação, que o juiz sentenciante motive a perda do cargo. (CESPE, 2012). Gabarito considerou correta a questão, mas há divergências sobre o tema na doutrina e na jurisprudência.
Jurisprudência:
01) Crime de tortura - Preso vítima de lesões graves - Agressão policial:
TORTURA. PRESO. LESÕES GRAVES. (Informativo n.º 433 do STJ – Quinta Turma)
A vítima encontrava-se detida sob responsabilidade de agentes estatais (delegacia da polícia civil) por ter ameaçado a vida de um terceiro.
Contudo, lá apresentou comportamento violento e incontido: debatia-se contra as grades, agredia outros detentos e dirigia impropérios contra os policiais.
Após, os outros detentos foram retirados da cela e a vítima foi algemada, momento em que passou a provocar e ofender o policial que a guardava, que, em seguida, adentrou a cela e lhe desferiu vários golpes de cassetete, o que lhe causou graves lesões (constatadas por laudo pericial), agressão que somente cessou após a intervenção de outro policial.
Então, é inegável que a vítima, enquanto estava detida, foi submetida a intenso sofrimento físico por ato que não estava previsto em lei, nem resultava de medida legal, o que configurou a tortura prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.455/1997.
Essa modalidade de tortura, ao contrário das demais, não exige especial fim de agir por parte do agente para configurar-se, bastando o dolo de praticar a conduta descrita no tipo objetivo.
Já o Estado democrático de direito repudia o tratamento cruel dispensado por seus agentes a qualquer pessoa, inclusive presos.
Conforme o art. 5º, XLIX, da CF/1988, os presos mantêm o direito à intangibilidade de sua integridade física e moral.
Desse modo, é inaceitável impor castigos corporais aos detentos em qualquer circunstância, sob pena de censurável violação dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Anote-se, por último, que a revaloração de prova ou de dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido, quando suficientes para a decisão da questão, tal como se deu na hipótese, não implica reexame da matéria probatória vedada na via especial (Súm. n. 7-STJ).
No especial, não se pode examinar mera quaestio facti ou error facti in iudicando, contudo não há óbice ao exame do error iuris in iudicando (tal qual o equívoco na valoração de provas) e o error in procedendo.
Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu provimento ao especial.
Precedente citado: REsp 184.156-SP, DJ 9/11/1998.
STJ - REsp 856.706-AC, Rel. originária Min. Laurita Vaz, Rel. para acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 6/5/2010.
02) Competência – Tortura cometida por policiais militares nas dependências da PF – Competência da JF para julgamento:
COMPETÊNCIA. TORTURA. PM. PF. (Informativo n.º 436 do STJ – Terceira Seção)
In casu, o indiciado foi preso em flagrante pela suposta prática de crime de roubo e, em depoimento, alegou ter sido torturado para que confessasse os fatos a ele imputados.
Feito o exame de corpo de delito, comprovaram-se as lesões corporais supostamente praticadas por policiais militares na dependência de delegacia da Polícia Federal.
Esses fatos denotariam indícios de crime de tortura.
Noticiam os autos que, no momento do recebimento da notícia do suposto delito de roubo, os policiais militares estavam em diligência de apoio a policiais federais.
Daí o juizado especial criminal, ao acolher parecer do MP estadual, remeteu os autos à Justiça Federal de Subseção Judiciária.
Por sua vez, o juízo federal de vara única, ao receber os autos, suscitou o conflito de competência ao considerar que os policiais federais não participaram do suposto ato de tortura.
Para o Min. Relator, com base na doutrina, o crime de tortura é comum, porém se firma a competência conforme o lugar em que for cometido.
Assim, se o suspeito é, em tese, torturado em uma delegacia da Polícia Federal, deve a Justiça Federal apurar o débito.
Destaca, ainda, que a Lei n. 9.455/1997 tipifica também a conduta omissiva daqueles que possuem o dever de evitar a conduta criminosa (art. 1º, I, a, § 2º, da citada lei).
Quanto à materialidade e autoria do suposto crime de tortura, embora não haja, nos autos, informações de que os policiais federais teriam participado ativamente do crime de tortura, os fatos, em tese, foram praticados no interior de delegacia da Polícia Federal, o que, segundo o Min. Relator, atrai a competência da Justiça Federal nos termos do art. 109, IV, da CF/1988.
Nesse contexto, a Seção conheceu do conflito para declarar competente o juízo federal suscitante.
STJ - CC 102.714-GO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/5/2010.
03) Tortura-castigo - Crime próprio - Agente deve ter posição de garante:
DIREITO PENAL - REsp 1.738.264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por maioria, julgado em 23/08/2018, DJe 14/09/2018
Tortura-castigo. Art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997. Crime próprio. Agente que ostente posição de garante. Necessidade.
Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997) aquele que detiver outra pessoa sob sua guarda, poder ou autoridade (crime próprio).
A controvérsia está circunscrita ao âmbito de abrangência da expressão guarda, poder ou autoridade, prevista na figura típica do art. 1.º, II, da Lei n. 9.455/1997 (tortura-castigo). De início, cumpre esclarecer que o conceito de tortura, tomado a partir dos instrumentos de direito internacional, tem um viés estatal, implicando que o crime só poderia ser praticado por agente estatal (funcionário público) ou por um particular no exercício de função pública, consubstanciando, assim, crime próprio. A despeito disso, o legislador pátrio, ao tratar do tema na Lei n. 9.455/1997, foi além da concepção estabelecida nos instrumentos internacionais, na medida em que, ao menos no art. 1.º, I, ampliou o conceito de tortura para além da violência perpetrada por servidor público ou por particular que lhe faça as vezes, dando ao tipo o tratamento de crime comum. A adoção de uma concepção mais ampla do tipo supracitado, tal como estabelecida na Lei n. 9.455/1997, encontra guarida na Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que ao tratar do conceito de tortura estabeleceu -, em seu art. 1.º, II -, que: o presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo. Ressalta-se, porém, que a possibilidade de tipificar a conduta na forma do art. 1.º, II, da referida lei (tortura-castigo), ao contrário da tortura elencada no inciso I, não pode ser perpetrada por qualquer pessoa, pois a circunstância de que a violência ocorra contra vítima submetida à guarda, poder ou autoridade, afasta a hipótese de crime comum, firmando a conclusão de que o crime é próprio. Nítido, pois, que, no referido preceito, há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o agente passivo do crime. Logo, o delito até pode ser perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação de cuidado, proteção ou vigilância), seja em virtude da lei ou de outra relação jurídica.
Art. 2.º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
Nota:
- Vide: Nos crimes de tortura incide exceção ao princípio-regra da territorialidade, pois a Lei Federal n.º 9.455/97 expressamente determinou a aplicação de suas disposições mesmo quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
Art. 3.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4.º Revoga-se o art. 233 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
Brasília, 7 de abril de 1997; 176.º da Independência e 109.º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson A. Jobim
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.4.1997
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